Querido diário,
faz tempo que não venho aqui e muita coisa tem acontecido: depressão, solidão, dor de ouvido, corpo pesado, muita chuva e pouco sol, saí de todos grupos de whats, apaguei toda a minha agenda do celular, desisti dos amigos, fui desligada do mestrado, desisti do trabalho, desisti de lutar pela guarda da minha filha, desisti de desistir do trabalho e sigo trabalhando, estudando sobre maternidade e drogas, estudando e praticando sobre escrita de si escrita criativa curativa, comecei a fazer terapia, teve um entregador de livro com um sorriso e um convite pra fumar um, o sol apareceu, baixei o tinder outra vez, deu match e eu ainda tava em dúvida, abri a porta e não tive mais dúvida, abri as pernas. O mete deu match. Que delícia.
Ufa, muita coisa, peraí que vou tentar organizar todos esses processos pra vê se tenho algum entendimento. Mas, vamos deixar o gozo pro final. Comecemos do começo.
A solidão é uma droga e eu estou viciada nela. Aos poucos tô conseguindo me abrir e <deixar a luz guiar e ser muito tranquilo> porque este ano não tem sido fácil. Há tempos na real que não tem sido fácil.
Dias sim e dias não, eu estou sobrevivendo apesar dos arranhões. Os últimos meses, setembro e outubro, foram bem pesados. Eu quase não fumei maconha, não ouvi música e não cozinhei. Não saí de casa para nada e estive em contato com pouquíssimos humanos.
As aranhas com seus oitos olhos moram aqui comigo. E apesar de eu às temer, muitas vezes elas me protegem. Tecem suas mandalas. Outro dia, uma delas fez uma teia enorme na minha porta. Um mandala lindo. Admirei e deixei ali. Senti que essa teia-mandala na minha porta como uma proteção. A gente sabe do poder das aranhas e por isso as tememos ao mesmo tempo que as admiramos. Talvez, eu esteja me aranhando. Entre aranhas e arranhões.
Precisei me livrar de alguns pesos e isso significa desistir para con-seguir. Recuar para avançar.
Primeiramente, fui desligada do mestrado e isso me deu muita bad. Me senti muito fracassada. Terceiro mestrado que não dou conta de fazer. Sempre me foi fácil passar no mestrado, na real eu nunca “me preparei” pra nenhum e todas as vezes que fiz a seleção, eu passei.
Diante disso, quis desistir de tudo: de lutar pela guarda da minha filha, de trabalhar, de paquerar, de tudo. Fiquei doente. Dor de ouvido. Quase três semanas de cama.
As contas não fecham nunca e eu não aguento mais isso, putaquepariu, quando vai chegar o dia que vou conseguir ao menos fechar as contas de boa e ter um tempinho para escrever meus livros, ouvir meus discos e nada mais?
Essa angústia vem crescendo na mesma medida que eu cresço. Acessei mais ainda a minha história. Minha memória é ótima e lembro de todos fatos e afetos com muita clareza, cenas muito nítidas. É pesado lidar com tanta história. Passei dias acordando e chorando.
Me pergunto porque eu não escrevo sobre elas. Não sei como começar e não sei qual propósito, apesar de eu mesma ter a resposta: pelo puro exercício da escrita de si escrita criativa curativa. Pela importância de romper o silêncio como ato político. E porque precisamos construir nossas narrativas sob nossas perspectivas.
Mas, trazer essas histórias à tona é trazer muitos personagens. E na minha família são muitos. Não me sinto capaz de escrever tantas linhas tortas e ter que escancarar e encarar: pedofilia psicopatia filho que não é filho abusos sexo drogas e rock and errou clínicas de reabilitação manicômio samba e poesia favela tráfico bandidos polícias narcisismo homofobia racismo machismo cristianismo comunismo anarquismo nobreza pobreza etc. e tal.
Com tanta inércia e desânimo, concluí que estava em depressão e não era a primeira vez. Embora eu saiba que muitas das minhas questões não estão ao meu alcance e a culpa é mesmo do sistema patriarcal e capitalista, ao mesmo tempo busco muito trabalhar a minha autonomia e lidar com minhas questões. E por essas razões que até então nunca tinha feito terapia. Acredito que só eu mesma possa resolver minhas ondas e encarar meus fatos e afetos e como tudo isso me afeta. Mas, também sei, por experiência própria, o quanto é fácil afogar o ego na solidão.
Eu ainda preciso trabalhar muito duas qualidades em mim: força de vontade e disciplina. Embora pareça que eu tenha muita força de vontade e disciplina, ainda me vejo muito dispersa. Tô tentando inclusive usar menos o instagram.
Bom, resolvi experimentar terapia. Uma amiga me recomendou uma psicóloga da linha esquizoanálise. Na primeira consulta eu chorei muito. Nas outras consultas já estive mais suave na nave. Já tivemos 4 consultas. Tem sido desafiador para mim. Eu pratico muito a autoanálise através da escrita. E falar, revelar meu constrangimento, minhas sombras, com a minha própria voz, tem sido de fato estranho e desafiador. Mas, estou me escancarando e me encarando.
Aos poucos estou conseguindo reorganizar minha mente coração e tempo. Desisti de desistir do trabalho. Tive uma reunião muito produtiva com minha “chefe” e juntas decidimos que devo ficar. Devo sim. Na real é um trampo que me possibilita pagar minimamente as contas, trabalhar em casa (fumando um, ouvindo meu som e isso também é muito bom quando estou com Mariaalice) e ainda alinha Maternidade e Feminismo. Seria realmente loucura me desfazer da única renda que tenho no momento.
Houve um domingo revelador. Eu sonhei que H. terminava com a namorada e me procurava pra contar isso. Quando acordei pensei: nossa, já estamos em outubro, há um ano que não vejo este cara e isso ainda me toma a minha mente e coração. Num impulso mandei mensagem pra tal namorada. Conversamos e ela foi muito simpática e recíproca. Me contou toda a verdade e entendi o porquê do sumiço. Foi revelador, importante e sobretudo libertador saber da verdade. Senti finalmente me libertando dessa história e sentimento. Concluí o livro Para meu amor com H: rascunhos para uma epopeia, com um poema-recado final.
Conversei com minhas advogadas e lhes comuniquei que desisti de lutar pela guarda, essa luta me enlouquece e me empobrece. Desde abril de 2019 nessa luta, eu tô cansada, exausta. Ele venceu e o sinal está fechado pra mim, que não sou mais jovem. São muitas as razões para tal decisão, mas vou deixar isso para outro momento, quando eu tiver mais tempo.
Sem mestrado, resolvi montar dois laboratórios. Um de estudos sobre maternidade e drogas e outro de práticas de escrita de si escrita criativa curativa. Comprei alguns livros e numa certa manhã, muito cedo por sinal, acordei com um homem batendo em minha porta e eu abri: senhoras e senhores, ele veio entregar um livro e junto um sorriso. Eu de pijama, mal conseguia abrir o olho. Nos falamos depois pelo whats, pero o gatinho mora longe e muito jovem e resolvi não encarar o entregador do livro.
O motoboy nunca mais veio e eu não saio de casa e não tenho aplicativo. Por fim, fez uns dias de sol e o tesão voltou também. Eu não queria novamente baixar tinder e me arriscar com um desconhecido, sei lá, vai que ele tem covid-19, vai que a camisinha rasga, vai que eu não goze, vai que eu não goste dele, vai que… estou tão decepcionada, cansada, exausta, magoada, que não tava afim. Mas, eu também estava cansada de praticar amor próprio e precisava gozar para além dos meus dedos.
Baixei o tinder no dia 3 de novembro. Alguns matches. Um moreno alto forte sensual já veio com proposta. Putz, não tô depilada, não fiz unha e nem sobrancelha, cabelo não está hidratado e tô cheia de trampo, melhor não. Pensei e não marquei com ninguém. Quando foi de noite, vesti meu pijama e fui pra cama fumar um beck e lendo um livro para dormir. O celular vibrou. Mais um match no tinder. Fui conferir. Hum… que lindo esse. Hum… tá perto. Ele mandou mensagem e, direta que eu sou, conversamos muito rápido e ele disse que vinha fumar um comigo.
Confesso que por um certo momento pensei: putz Maíra, já passou de meia-noite, tu já virou abóbora, não está depilada, nem unha e sobrancelha feita, cabelo não está hidratado e amanhã tu tem um monte de função e provavelmente o boy vem pra dormir, tem certeza? Desde que vim morar aqui na minha torre, risos, só um cara dormiu aqui, todos os outros mandei embora por não querer dormir na mesma cama, acordar junto, etc. Bom, qualquer coisa eu mesma chamo um uber pra ele ir embora. Pensei. E nesse diálogo comigo mesma, resolvi arriscar e o gato veio.
Quando o gato chegou logo percebeu a teia-mandala da aranha e teve cuidado de passar por ela sem destruí-la, lhe abri a porta e olhei nos seus olhinhos e não tive mais dúvida. Abri as pernas e o mete deu match.
– Eu só estou terminando de escrever um texto.
Falei pro gato e tratei de finalizar logo o texto. Conversamos fumamos transamos gozamos comemos fumamos transamos gozamos dormimos acordamos transamos gozamos etc. Seguimos nos comunicando.
– Ai amiga, já era mais de meia noite, recebi de pijama mesmo. Aliás, pensando bem, quase todos carinhas os recebo de pijama, preguiça de me produzir, que goste de mim assim, rsrsrs.
– Pronto, vou andar de pijama agora pra vê se a vida flui.
– kkkkkk.
– E no mais?
<tudo na mais perfeita paz sendo que assumo isso mesmo quando se diz que já acabou ainda quero morrer de amor>.
Ainda não voltei totalmente a minha rotina, mas tô quase chegando ao meu ponto de equilíbrio e me sentindo cada dia mais produtiva. Dias de lutas, dias de glórias. Na real, ainda estou correndo muito para buscar a minha glória. Portanto, me vejo tendo que trabalhar muito minha força de vontade e disciplina. O lance que às vezes eu acordo inspirada. Por exemplo, na última segunda-feira, dia 1 de novembro, eu estava determinada a voltar a minha rotina, pero acordei com uma vontade tremenda de fazer um livro e fiz. Isso me cansou e no dia seguinte fiquei de boa com uma amiga trocando ideia. Daí na quarta, eu ainda inspirada, baixei o tinder, e sempre que baixo o tinder é pra pegar alguém, depois desinstalo e etc.
Daqui a pouco Mariaalice chega e desinstalo tinder. Vamos passar o verão juntas. Reflito sobre o Aqui e o Agora: está tudo certo pero nada resolvido. In crise pero take it easy. Apesar dos pesares a pesar: estoy aqui. Na minha casinha de bruxinha só vendo a vista, tudo azul muito verde o verde sincero o verdeverdade, tudo blui tudo flui. Solzinha com os bichos. E na real, estou tendo tudo que eu preciso e dou conta agora. Ainda me falta grana, é certo, mas sem desespero sem tédio sem fim.
Querido diário, é possível evitar marcar o corpo, mas e o coração? Meus peitos ficaram marcados, não feito tatuagem, mas eu tenho coragem pra seguir viagem. Porque hoje, eu sinto um quilo de sossego, uma tonelada de desejo e 1% de medo.
<aqui não tem medo só chamego>.
Floripa, 7 de novembro de 21
20h30
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9 comentários em “Quando o Mete dá Match”
Que 1% de medo se transforme em 99% de chamego.
E o outro 1%? Seja o que Deus quiser….
Lindooooo texto e que possamos andar de pijamas ou nu, sem olhares tortos dos caretas que se acham normais!
Que delícia esse texto!
é pra nós, toda a dor e a delícia de ser
Eu amo te ler!!!!
amo receber este feedbeck!
Sempre bom saber q n estamos nessa sozinhas. A ideia da escrita criativa curativa é ótima! Invista. Parabéns pelo ótimo texto
Invista, insista, resista!
Acho que as marcas do coração são pra registrar história. O 1% medo, inevitável, nos mantém alertas e a tonelada de desejo nos mantém vivas. Muita história e vida ainda temos
tens total razão, até porque toda história tem um começo, medo e sim!